Meu problema não terminou aqui. Muito pelo contrário. Apenas começou e me encontro enredado, como num novelo, tendo que tomar providência contra bandidos virtuais que agiram nas dependências do Google e do Facebook sem a menor boa vontade destes que insistem em ignorar, e assim protegem a identidade do bandido. É como se um de nós acoitasse em nossa casa um perigoso ladrão, assaltante, estuprador e assassino e o protegesse das garras da polícia até que um juiz determine uma ação qualquer com relação ao caso.
Voltarei ao meu problema pessoal. Mas antes é necessário deixar claro alguns tópicos:
Primeiro engodo do Google: ele sabe que esse endereço de IP não me pertence. Sabe também, como reconhecer no e-mail a data e a hora que o invasor tentou acessar a conta. E sabe o número do IP, a identidade do aparelho invasor, como me avisou na mensagem acima. E se o Google sabe o número, ele sabe de onde partiu a tentativa. Pelo número do IP, você identifica a localidade e em nome de quem está o computador usado pelo cracker. Ora bolas: sinto-me no direito de ser avisado. É como se um ladrão tentasse invadir minha conta bancária e o banco, ao invés de me avisar, imediatamente, resolvesse proteger a identidade e a forma como o ladrão tentou me roubar. O banco não age assim. Mesmo se quisesse,não poderia porque existe uma lei que regula nossas relações com o sistema bancário e financeiro. Nesta lei estão previstas penalidades severas para a instituição bancária que não zelar pela proteção e pelo sigilo de nossas contas. E se alguém por acaso invadi-las, a instituição será penalizada e o invasor irá para a cadeia.
Mas porque o Google não me dá essas informações cruciais em caso de crime de invasão? Não me dá porque aqui no Brasil não existe uma lei específica que regule os procedimentos de internet por parte dos usuários e provedores. No meu caso pessoal, o invasor tentou e não conseguiu invadir meu e-mail. Foi detectado pelo próprio Google que não foi capaz de detectá-lo quando ele invadiu seu próprio site. Num lance que jamais li, ouvi ou tive informação no mundo todo, o cracker brasileiro entrou no site de buscas do Google, a partir de uma cidade do Estado do Mato Grosso e alterou muitas das buscas com o meu nome. Infiltrou-se nas informações fornecidas pelo Google quando meu nome é digitado na área de buscas, a partir de sites localizados em vários Estados brasileiros e postou declarações estúpidas, inapropriadas e perigosas como se eu realmente houvesse declarado em entrevistas aos referidos sites. Descobri isso por acaso, a partir de certo momento em que buscava uma determinada pessoa que desapareceu de minha rede de contatos. Como ela sumiu de repente, fui procurá-la no setor de buscas para ver o que tinha acontecido. Não havia mais nada sobre ela. Alguém, o cracker, limpou tudo sobre a pessoa que eu buscava. Aí resolvi colocar meu nome associado ao dela. E então me surpreendi com a quantidade de declarações falsas, publicadas em sites da Bahia e do Amapá. Num, eu fazia declarações pejorativas e abusivas sobre o carnaval da Bahia e ,no outro, conclamava a população para aderir a uma campanha contra o carro zero quilômetro. Imediatamente busquei os responsáveis pelos sites, por e-mail e por telefone. Eles me garantiram que jamais haviam publicado tais declarações e desconsideraram minhas queixas com a justificada desconfiança de que eu estivesse louco. E tampouco deram crédito à colagem que enviei, retiradas do setor de buscas do Google. De repente, percebi que estava num beco sem saída.
Dirigi-me novamente ao Google notificando-o do que estava se passando e eles limitaram-se a responder que seria impossível tal ação por parte de um cracker já que o serviço é feito internamente. Ignoraram solenemente tudo o que lá está exposto e que estou narrando aqui. E a difamação contra minha pessoa continua lá no setor de buscas do Google, incólume. Aconselhei-me com um advogado e este me sugeriu buscar a delegacia de crimes virtuais que existe aqui no Rio de Janeiro, munido de todas as provas para o registro de uma queixa. Assim fiz. Narrei minha odisséia para o Inspetor de plantão que fazia cara de espanto diante de minha necessidade, aparentemente, pueril. Mas fui incisivo:
"Por enquanto o cracker me atinge apenas moralmente. Mas e se ele publicar que eu vou matar o Presidente da República?"
Só então ele reconheceu a gravidade do assunto e me ofereceu uma solução:
"Investigação não vai dar. Mas vou fazer um registro de um tipo de ocorrência que lhe servirá como defesa se amanhã ele colocar que o senhor quer matar o Presidente. E servirá também para que seu advogado dê entrada na justiça e solicite a um juiz que determine à autoridade policial proceder a uma investigação. Esse documento lhe resguardará de aborrecimentos maiores."
O Inspetor fez o registro de uma ocorrência denominada MEDIDA ASSECUTÓRIA DE DIREITO FUTURO acompanhada de um termo de declaração. Saí aliviado da Delegacia, mas consciente e convencido da necessidade e da urgência que o Brasil tem de uma Lei específica para a Internet. O mesmo cracker invadiu a minha página no Facebook e lá postou um convite para uma conferência sobre o SERASA, o serviço de acompanhamento e fiscalização e o maior banco de dados de crédito de consumidores, empresas e grupos econômicos. Mediante o envio de cinquenta reais, o cracker solicitava uma inscrição para uma palestra sobre o assunto. Ele não chegou a atingir toda a minha lista, imagino eu, porque recebi notificações de alguns poucos amigos. Mas o Facebook também detectou a invasão e ,como o Google, apenas me solicitou que trocasse minha senha porque alguém havia tentado acessar minha conta. Nada mais me informou, nem sequer me notificou se o invasor havia logrado algum tipo de êxito.
Por minha conta e risco, busquei um site nos Estados Unidos e de posse do número de IP localizei o Estado e a cidade, aqui no Brasil, de onde o invasor agiu, assim como o dia e a hora. Tirei cópias de todas as declarações e de todos os sites que "publicaram" o conteúdo mencionado anteriormente. Tudo isso com datas, títulos e expediente dos sites. Juntei tudo e anexei à tal Medida Assecutória de Direito Futuro. Agora, irei em busca de um advogado e darei início a um processo. Primeiro contra o Google e Facebook e só então uma ação de investigação em busca do invasor.
A lei ainda não existe, mas o Superior Tribunal de Justiça, o STJ, uma das cortes superiores do Brasil, em decisão tomada pela Ministra Nancy Andrighi e publicada no Diário Oficial da União e no jornal Folha de São Paulo, do dia 22 de junho de 2012, na página B 5, do caderno Mercado, estabeleceu que " empresas responsáveis por serviços de e-mail serão obrigadas a fornecer auxílio na localização do remetente de mensagens que causem danos morais a outrem" . E que as mensagens que sejam consideradas ofensivas ou impróprias terão de ser retiradas do ar em até 24 horas após serem denunciadas.
Um dos casos julgados pela ministra foi o de uma carioca que se divorciou e viu de repente uma página falsa, com ofensas, publicada no Orkut. A mulher apontou o conteúdo como ilícito, mas a suspensão só ocorreu dois meses depois. A ministra Andrighi disse na época que a decisão abriu precedentes no STJ e uniformizou a jurisprudência:
"É um marco de regulamentação e todas as futuras questões estarão sob essa ótica."
Outro fato deixou perplexa a ministra e serve como advertência para nós brasileiros que estamos buscando um marco regulatório para a Internet.
"Fiquei sabendo que nos EUA eles são capazes de tirar as mensagens em 30 minutos. Levar 62 dias para realizar o mesmo aqui no Brasil é um absurdo"_ disse a ministra.
Outras decisões semelhantes têm sido exaradas pelas Câmaras Civis de Tribunais de Justiça Regionais em que os desembargadores votam por unanimidade nas decisões de primeira instância, sempre dando razão aos usuários. É o caso da 12ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG), que negou recurso do Google, que foi condenado a pagar indenização por danos morais a um dentista mineiro que teve um perfil falso criado na página do site de relacionamentos Orkut, segundo o jornal Valor Econômico, publicado na página E 1, de 25 de julho de 2012.
Os juízes julgam esses casos, na ausência de uma lei de opinião, levando em conta os artigos da Constituição da República que tratam sobre liberdade de expressão. A punição para as empresas provedoras tem sido pecuniárias, apenas, por enquanto. No caso de Minas Gerais, o Google,em nota oficial, afirmou:
"Não comentamos casos específicos e o acórdão não reflete a jurisprudência dominante dos tribunais superiores".
Existem decisões controversas, é verdade, como é o caso do julgamento da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, STJ, que negou pedido de indenização por danos morais a uma mulher que alegou ter sido alvo de ofensas no site de relacionamento. Eles entenderam que não há como obrigar um provedor a realizar uma prévia fiscalização das informações. Em outra decisão, a mesma Corte determinou que o Google indenizasse o diretor de uma faculdade mineira por danos morais. O conteúdo que foi considerado ofensivo pelo autor da ação foi publicado em uma página de um blog, no blog spot que pertence à empresa.
Como podemos extrair daqui, as calúnias, as difamações são suficientes para que se crie uma lei específica no mundo da Internet. Ou que mereça um longo capítulo, à parte. Mas o Congresso caminha para colocar no mesmo nível a área técnica do setor. Transito de voz(?) por IP não pode estar na mesma lei que vai julgar opinião, calúnia e difamação. São coisas completamente diferentes.
Isso levou a diretora jurídica do Google, a senhora Fabiana Sivieiro, a dizer que a empresa lida com muitos casos semelhantes e que a jurisprudência ainda é inconstante no país. Foi a mesma resposta que o Google me enviou por e-mail e ficou por isso mesmo. As manchetes mentirosas e caluniosas sobre minha pessoa continuam lá em seu serviço de buscas. Se tivéssemos uma lei, um Marco Regulatório sobre o assunto as coisas seriam bem diferentes. Transita na Câmara dos Deputados um Projeto de Lei inspirado pelo Executivo e que recebeu o nome de Marco Civil da Internet. Tem como Relator o Deputado Federal Alexandre Molon, do PT-RJ. Trata-se de uma iniciativa oportuna e necessária para não dizer urgente. O Governo Federal através de alguns órgãos executivos tem um grande abacaxi para ser descascado. Até aqui, tudo que escrevi e tudo que recolhi em minhas pesquisas e textos, tratam de crime de opinião. Outrora esse assunto seria resolvido, juridicamente, sob a égide da Lei de Imprensa. Como o Congresso acabou com ela e nada ficou no seu lugar para guiar e orientar o mundo jurídico nesse assunto, jornalistas ,hoje no Brasil, são condenados por crimes de opinião com base no Código Penal. Um corolário de artigos destinados, originalmente, a outro tipo de delito. E aí é que mora o perigo.
Além do imbróglio que está se tornando o Marco Civil da Internet, ele está sendo atulhado com assuntos que vão desde crimes de opinião, como superposição de poderes na Internet, diferenciação de serviços para usuários, problemas de uso de sistemas de voz sobre IP (VOIP) em celulares que é nada mais, nada menos que o tráfego de voz nos sistemas de computadores, de graça, para celulares, o que já faz o Skap. Além disso, o Marco Civil destina uma boa parte dos problemas para a mediação da Anatel, a Agência Nacional de Telecomunicações e outras disputas, ele destina para o Conselho Gestor da Internet. No Brasil é o CGI.br ,criado em 1995, que reúne iniciativas ligadas à internet do qual participem governo, empresas, o terceiro setor e especialistas.
É assim quase que no mundo todo. A Internet é tão nova que a maioria dos países ainda não conceberam e implantaram um marco regulatório para as empresas, prestadores de serviços e usuários desse novo mundo. Poderíamos dizer o que se diz de uma criança: ela ainda precisa ser educada, aprender a falar e só depois então enquadrar-se nas normas de comportamento. Mas isso é com crianças. Com empresas e pessoas é diferente. E sabendo disso, o nosso Congresso Nacional, por pressão do Executivo está discutindo em comissões ainda, o que eles chamam de um Marco Regulatório para a Internet. Simplificando : uma lei específica para a Internet.