Assim, 77 dias depois de sua posse, será que podemos falar no surgimento de uma grande estratégia global idealizada por Obama? Ainda não, mas ela parece estar se delineando, sugerindo o que pode vir pela frente.
Do Tâmisa ao Bósforo, passando por vários outros marcos, Obama falou em um tom gentil, sem jamais aludir à possibilidade de fazer uso do porrete. Sem mencionar seu predecessor, Obama enfatizou uma das principais diferenças entre ele e Bush: os EUA planejam agora não apenas dar uma autoridade maior a instituições internacionais, mas também participar da criação de alguns novos organismos. Não surpreende que estas tenham sido as propostas mais aplaudidas em sua viagem pela Europa.
Com a notável exceção de sua abordagem sobre o desarmamento nuclear, em que vimos mudanças radicais, aquilo que Obama descreveu ao público tende mais a uma restauração da antiga ordem do que a um realinhamento estratégico.
"Esse tempo ainda chegará", disse um assessor de Obama em Londres. "Esta viagem procurou se concentrar em engatar novamente todos os vagões ao trem e convencer os demais líderes de que não estamos mais nos encaminhando para o descarrilhamento."
A busca por uma "grande estratégia global", um plano coordenado para o emprego do poder americano com o objetivo de concretizar metas mais amplas, é sempre uma atividade arriscada. Quem quer que tivesse tentado discernir uma estratégia 77 dias após a posse de Bush, em 2001, meses antes dos ataques de 11 de Setembro, teria errado completamente.
Foi apenas no ano seguinte que Bush declarou ser o "combate aos terroristas e tiranos" o objetivo principal de sua política externa. E foi apenas em seu segundo mandato que ele articulou sua doutrina, afirmando que levar a liberdade a cada canto do planeta seria a nova missão dos EUA.
Obama falou em combater terroristas, mas não mencionou os tiranos. A Al-Qaeda tem de ser destruída, mas Irã, Coreia do Norte e Cuba seriam alvo da diplomacia. Acabou-se o tempo em que a Casa Branca dizia que a democracia era um direito garantido por Deus.
Em Londres, Obama não demonstrou pretensões de expor uma estratégia global para combater a crise financeira. Ele deixou que o premiê britânico, Gordon Brown, anunciasse a chegada de uma nova ordem mundial e preferiu garantir medidas sobre as quais os líderes foram capazes de concordar.
O verdadeiro significado da reunião pode ser visto nas boas-vindas oferecidas por Obama a China, Índia, Brasil e outros países que devem agora desempenhar um papel mais central e permanente nos rumos da economia mundial.
Segundo Robert Hormats, vice-presidente do Goldman Sachs, houve um reconhecimento de que a crise financeira "acelerou uma transição que já estava em curso". Obama expôs algo parecido com uma estratégia quando se reuniu com os demais membros da Otan.
Nos dias que antecederam a celebração dos 60 anos da aliança, ele informou seus aliados a respeito de uma nova estratégia para o Afeganistão e o Paquistão que impediria o estabelecimento de um santuário da Al-Qaeda na região.
Ele encontrou bastante solidariedade, mas pouco apoio. Obama falou a respeito de novas táticas de combate à insurgência, uma combinação mais inteligente entre ataques militares e maior disponibilidade de recursos para a construção do país, mas a maioria dos seus parceiros estava procurando pela porta da saída.
Assim, eles aplaudiram o mensageiro, enquanto recusaram educadamente a mensagem. Apenas quando Obama falou sobre um futuro livre de armas nucleares, durante discurso em Praga, é que a visão estratégica começou a triunfar sobre o simbolismo.
Trata-se de uma estratégia apoiada sobre uma aposta: se o primeiro país do mundo a obter armas nucleares demonstrar disposição em reduzir seu arsenal, proibir os testes nucleares e interromper a produção de material para a fabricação de bombas, seus aliados se mostrariam mais dispostos a reescrever os tratados e impor sanções contra Coreia do Norte e Irã.
Obama adotou um conceito que Bush rejeitou: para combater a proliferação, os EUA não podem ignorar o fato de que alguns países, como o Irã, são signatários de tratados internacionais e podem reivindicar o direito de produzir seu próprio combustível nuclear.
Para Bush, jamais poderemos confiar em certos países. Para Obama, é preciso estreitar a rede de acordos e reformar o Tratado de Não-Proliferação Nuclear para impedir que alguns países fujam das inspeções nucleares.
"Trata-se de um mundo diferente", disse Mohamed ElBaradei, diretor geral da Agência Internacional de Energia Atômica. "Quando foi a última vez que ouvimos um presidente falar em eliminar as armas nucleares? De repente, posso ir trabalhar com a sensação de que não sou mais um forasteiro", disse ElBaradei, que vivia às turras com Bush. Então, ele fez uma pausa. "Estamos começando a ver uma estratégia se delineando. Resta saber se Obama será capaz de implementá-la."
*David Sanger é colunista do New York Times
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