quarta-feira, 8 de abril de 2009

Estratégia do presidente começa a se delinear

David E. Sanger*
Nos oito dias que passou na Europa, o presidente Barack Obama deu início a sua jornada rumo à reconstrução do sistema financeiro mundial, ao revigoramento do compromisso da Otan no Afeganistão e Paquistão, à reinvenção da estratégia nuclear e à restauração das relações com o mundo muçulmano.

Assim, 77 dias depois de sua posse, será que podemos falar no surgimento de uma grande estratégia global idealizada por Obama? Ainda não, mas ela parece estar se delineando, sugerindo o que pode vir pela frente.

Do Tâmisa ao Bósforo, passando por vários outros marcos, Obama falou em um tom gentil, sem jamais aludir à possibilidade de fazer uso do porrete. Sem mencionar seu predecessor, Obama enfatizou uma das principais diferenças entre ele e Bush: os EUA planejam agora não apenas dar uma autoridade maior a instituições internacionais, mas também participar da criação de alguns novos organismos. Não surpreende que estas tenham sido as propostas mais aplaudidas em sua viagem pela Europa.

Com a notável exceção de sua abordagem sobre o desarmamento nuclear, em que vimos mudanças radicais, aquilo que Obama descreveu ao público tende mais a uma restauração da antiga ordem do que a um realinhamento estratégico.

"Esse tempo ainda chegará", disse um assessor de Obama em Londres. "Esta viagem procurou se concentrar em engatar novamente todos os vagões ao trem e convencer os demais líderes de que não estamos mais nos encaminhando para o descarrilhamento."

A busca por uma "grande estratégia global", um plano coordenado para o emprego do poder americano com o objetivo de concretizar metas mais amplas, é sempre uma atividade arriscada. Quem quer que tivesse tentado discernir uma estratégia 77 dias após a posse de Bush, em 2001, meses antes dos ataques de 11 de Setembro, teria errado completamente.

Foi apenas no ano seguinte que Bush declarou ser o "combate aos terroristas e tiranos" o objetivo principal de sua política externa. E foi apenas em seu segundo mandato que ele articulou sua doutrina, afirmando que levar a liberdade a cada canto do planeta seria a nova missão dos EUA.

Obama falou em combater terroristas, mas não mencionou os tiranos. A Al-Qaeda tem de ser destruída, mas Irã, Coreia do Norte e Cuba seriam alvo da diplomacia. Acabou-se o tempo em que a Casa Branca dizia que a democracia era um direito garantido por Deus.

Em Londres, Obama não demonstrou pretensões de expor uma estratégia global para combater a crise financeira. Ele deixou que o premiê britânico, Gordon Brown, anunciasse a chegada de uma nova ordem mundial e preferiu garantir medidas sobre as quais os líderes foram capazes de concordar.

O verdadeiro significado da reunião pode ser visto nas boas-vindas oferecidas por Obama a China, Índia, Brasil e outros países que devem agora desempenhar um papel mais central e permanente nos rumos da economia mundial.

Segundo Robert Hormats, vice-presidente do Goldman Sachs, houve um reconhecimento de que a crise financeira "acelerou uma transição que já estava em curso". Obama expôs algo parecido com uma estratégia quando se reuniu com os demais membros da Otan.

Nos dias que antecederam a celebração dos 60 anos da aliança, ele informou seus aliados a respeito de uma nova estratégia para o Afeganistão e o Paquistão que impediria o estabelecimento de um santuário da Al-Qaeda na região.

Ele encontrou bastante solidariedade, mas pouco apoio. Obama falou a respeito de novas táticas de combate à insurgência, uma combinação mais inteligente entre ataques militares e maior disponibilidade de recursos para a construção do país, mas a maioria dos seus parceiros estava procurando pela porta da saída.

Assim, eles aplaudiram o mensageiro, enquanto recusaram educadamente a mensagem. Apenas quando Obama falou sobre um futuro livre de armas nucleares, durante discurso em Praga, é que a visão estratégica começou a triunfar sobre o simbolismo.

Trata-se de uma estratégia apoiada sobre uma aposta: se o primeiro país do mundo a obter armas nucleares demonstrar disposição em reduzir seu arsenal, proibir os testes nucleares e interromper a produção de material para a fabricação de bombas, seus aliados se mostrariam mais dispostos a reescrever os tratados e impor sanções contra Coreia do Norte e Irã.

Obama adotou um conceito que Bush rejeitou: para combater a proliferação, os EUA não podem ignorar o fato de que alguns países, como o Irã, são signatários de tratados internacionais e podem reivindicar o direito de produzir seu próprio combustível nuclear.

Para Bush, jamais poderemos confiar em certos países. Para Obama, é preciso estreitar a rede de acordos e reformar o Tratado de Não-Proliferação Nuclear para impedir que alguns países fujam das inspeções nucleares.

"Trata-se de um mundo diferente", disse Mohamed ElBaradei, diretor geral da Agência Internacional de Energia Atômica. "Quando foi a última vez que ouvimos um presidente falar em eliminar as armas nucleares? De repente, posso ir trabalhar com a sensação de que não sou mais um forasteiro", disse ElBaradei, que vivia às turras com Bush. Então, ele fez uma pausa. "Estamos começando a ver uma estratégia se delineando. Resta saber se Obama será capaz de implementá-la."


*David Sanger é colunista do New York Times

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