Lula: o menino sem rosto!
Texto sobre luz e sombra, sobre o bem e o mal, sobre o PT e o tempo que
urge em nascer:
Aquela não foi uma trovoada comum. A Segunda Guerra Mundial acabara de
chegar ao seu término, o tribunal de Nuremberg começava a se desenhar, Getúlio
Vargas estava prestes a ser deposto pelo general Góes Monteiro, a criação do
estado de Israel dividia a Palestina, e o mundo, essa ignóbil abstração que o
ser humano transformou em purgatório, entrava em um longo período onde a Guerra
Fria ditaria as regras da geopolítica no século XX.
Hoje, eu sei que aquela trovoada, que se perdeu nas veredas do ano de 1945,
não dizia respeito à nenhuma dessas circunstâncias. Não dizia respeito nem ao
roceiro Henry Truman que meses antes havia semeando duas bombas atômicas no
coração da humanidade, nem ao fatídico destino de Josef Stalin, homem mais
temido da época, que oito anos mais tarde sofreria um derrame e perderia a vida
mergulhado em sua urina.
Tampouco foram os nascimentos de Neil Young e Eric Clapton, que também se
deram naquele ano, a razão do sobrenatural que me acometera. Foi no interior de
Pernambuco, no pequeno distrito de Caetés, que no dia 27 de outubro de 1945
nascia a causa do retumbante presságio que ecoou em minha consciência juvenil e
que ainda hoje, no alto de meus 74 anos, me causa desagradáveis calafrios: o
nascimento de Luís Inácio Lula da Silva.
Naquela noite fria de primavera, minha mãe me pôs para dormir e como eu
relutava em cair no sono por estar certo de que havia um terrível desígnio que
acabara de ser marcado em meu destino, pedi para que ela, mulher religiosa cuja
certeza acerca da eternidade me concedia a ilusão de ser senhor de mim por
ínfimos instantes, me contasse uma história que pudesse acalmar o meu temor
desmedido. ‘’Sois um homem, imbecil! Comporte-se como tal!’’, me recordo de ter
pensado instintivamente ao ver minha mãe cedendo ao meu capricho.
Mas como Marcel Proust em sua infância, eu também abdicava da minha
dignidade, do meu amor-próprio de garoto, apenas para sentir o calor materno
mais próximo: ‘’De tempos em tempos – disse-me ela, certa vez – assim como o
céu, as trevas abrem as suas cancelas e enviam emissários para a terra. A luta
entre o bem e o mal é a luta entre o esclarecimento e a ignorância; entre a
generosidade e a ignomínia. É a luta que foi dos teus ancestrais e que será dos
teus descendentes. É luta da tua vida que terás que desvendar. E a vida, meu
filho, nada mais é do que luz e sombra. Para ser sábio é preciso ser bom e o
mal, embora abominável, muitas vezes nos guia com eficiência para o caminho do
bem. Só assim aprenderás a interpretar os sinais da vida. Isso que sentiste hoje
foi um sinal. No final, Deus precisa mais da gente do que a gente precisa de
Deus’’.
Por muito tempo essas palavras tomaram conta dos meus pensamentos. Embora
eu não alcançasse a totalidade dos dizeres de minha mãe, havia algo em meu
inconsciente que tocava nas profundezas daquela sabedoria sem que a minha razão
tomasse conhecimento. O passar dos anos me trouxe maturidade. Me tornei menos
impulsivo e mais observador; menos medroso e mais paciente. Havia quase
esquecido o furor psicológico que aquela noite de 1945 tinha causado em meu
íntimo, até que, em setembro de 1952, uma viagem a trabalho de meu pai, com
destino a Governador Valadares, me trouxe aquele sentimento arrebatador de
volta. Eu me encontrava no carro, observando a paisagem à medida que
atravessávamos as precárias estradas mineiras, quando um pau de arara tomado
pela miséria surgiu no horizonte e se aproximou em nossa direção.
O menino Lula surge, enfim: sem rosto
Me lembro dos mais de 30 retirantes espremidos entre a sobrevivência e a
indignidade. Minha mãe fez o sinal da cruz; meu pai fez que não viu. Como íamos
em direções diferentes, pude vê-los passando rente à minha janela. A miséria não
mais invisível aos meus olhos me envergonhava. Nada desperta mais o pudor de uma
criança do que a sorte miserável de um semelhante. E em uma miscelânea de
sentimentos contraditórios que afloraram em minha alma, o olhar sinistro de um
garoto que vestia trapos veio de encontro ao meu. Eu poderia jurar que aqueles
olhos negros, vidrados, se avermelharam a tal ponto que eu já não poderia mais
distinguir ao certo a realidade da fantasia. Ele sorriu em resposta à minha
exasperação. Já não era então apenas um garoto. Era um homem sem rosto, sem
feições, capaz de emprestar a si qualquer semblante humano. Em verdade, sequer
era um homem: era o retrocesso histórico, um buraco negro do universo brasileiro
que devoraria toda uma geração com a violência dos sem caráter. Anos mais tarde,
eu viria a saber que aquele menino misterioso era Luís Inácio Lula da Silva. Ele
havia saído do interior de Pernambuco num pau de arara com sua mãe e irmãos para
se dirigir à São Paulo, onde o seu pai morava, e assim dar início à sua escalada
ao poder. Jamais me esquecerei deste dia.
Chegar aos 74 anos no Brasil não é fácil, mas uma das benesses de se estar
vivo há tanto tempo é que você deixa de criar expectativas com relação à
humanidade e encara o pior não como um tormento, mas como uma necessidade
histórica. A história é o fluxo inconsciente da humanidade e os mecanismos pelos
quais os seus acontecimentos se dão estão fora da possibilidade de compreensão
racional, ainda que o seu estudo, com efeito, permita uma compreensão mais ampla
da vida. E embora sejam os acadêmicos aqueles que escrevem a história, são as
inúmeras e insondáveis ocasiões e coincidências, jamais registradas, entre
homens e circunstâncias, o que a define de fato. A história é o rastro do
destino e nós, recitou Shakespeare, ''somos os bobos do tempo''.
Observando a chegada de Lula e sua corte ao poder, uma verdadeira comitiva
do mal que sequestrou o país, percebo que minha mãe tinha razão quando disse que
o mal muitas vezes nos guia com eficiência para o caminho do bem. É verdade que
o país está aparelhado até a raiz pelo governo, com a miséria estrategicamente
transformada em votos, e com comunistas pretendendo ser paladinos do
capitalismo, mas é também verdade que nunca se viu uma época em que o brasileiro
estivesse tão descontente com o arranjo das coisas. Logo o brasileiro, este ser
historicamente atávico, conformado e acima de tudo desinformado, hoje não se
conforma com as notícias que lê diariamente.
Se hoje a grei de Lula está no poder é para que nós entendamos que o PT é
uma quadrilha que surrupia dinheiro, verdades, valores e direitos, dividindo a
sociedade brasileira em guetos sociais para multiplicar o seu poder que é
financiado pela farsa do assistencialismo. Se Dilma foi reeleita é porque assim
deve ser para que a ilusão petista se desfaça por completo. Assim deve ser para
que os cidadãos brasileiros comecem a perceber que os socialistas são
essencialmente ladrões do bem alheio, que os conselhos populares são uma fraude
populista, que as empresas estatais são colmeias de zangões estéreis que se
lambuzam com o mel público e que assistencialismo é o voto de cabresto do século
XXI. Afinal, prezado leitor que ainda me acompanha, o que poderia fazer o
senador Aécio Neves em quatro anos senão pagar por uma dívida que ele não
contraiu e, no fim, ser culpado por um crime que não cometeu? Mais quatro anos
de Dilma Rousseff é tudo o que o Brasil precisa para que o PT se destrua por
completo. Infelizmente, o país será igualmente arruinado, mas, como a fênix
lendária, renascerá das cinzas e baterá as asas com a força de quem aprendeu com
a sua própria história.
O Brasil está prestes a acordar de um pesadelo corrupto, que se prolonga
desde a independência, e que atingiu o seu cume populista na última década e é
graças ao menino sem rosto que cruzou o meu caminho há mais de 60 anos que o
país vê uma possibilidade de se reencontrar consigo mesmo de uma vez por todas.
É graças a ele que novamente sinto uma exasperação em minha alma, como as que me
acometeram na juventude, onde um palpite instintivo me diz que não tardará para
que o PT seja enviado para as sombras, junto do homem sem rosto, ao lado do seu
séquito de farsantes, dando lugar à luz de um novo tempo que urge em
nascer''.
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