Nascido no interior de Minas –Santana de Pirapama– e criado numa fazenda, José Salvador Silva tinha um sonho desde a infância: ter seu próprio hospital. Há 34 anos, abriu o Mater Dei, em Belo Horizonte. Hoje com 83 anos, continua à frente dos negócios.
"Doutor Salvador", como é conhecido, dedicou 60 anos à medicina. Fez 20 mil partos e chegou a atender quatro mulheres de gerações diferentes da mesma família. Há dois meses, seu hospital inaugurou uma nova unidade, construída sob sua supervisão. Recusou as tentativas de compra que recebeu de grandes companhias. "Sonho não tem preço", diz ele.
Apaixonado por literatura e biografias ("histórias das quais se aproveite algo"), ele diz que está preparado para morrer, "mas não para ficar cego".
O médico e empresário mineiro José Salvador Silva, no Hospital Mater Dei, que fundou, em Belo Horizonte |
Minha tia morreu de parto, a primeira mulher de papai morreu de parto, a primeira mulher do meu sogro morreu de parto. Naquela época, isso marcava muito as famílias e pode ter me influenciado.
Sempre fui sonhador, idealista e tive o sonho de ser médico, fazer um hospital, com atendimento humanizado.
Mas nunca imaginei que pudesse ser um tão grande assim.
Como não tinha parentes em Belo Horizonte, fui quando criança para um colégio interno para onde iam os meninos mais bagunceiros.
Sofri muito, me ironizavam porque eu era um capiauzão [caipira].
Talvez ali tenha aprendido a lutar e enfrentar as dificuldades da vida. Tem uma frase do Nietzsche de que eu gosto muito: aquilo que não te destrói te torna mais forte.
Depois, fiz o ginásio e mamãe já estava em Belo Horizonte com meu irmão -papai ficou na fazenda. Me preparei para o vestibular de medicina na UFMG e passei de primeira.
Quando me formei, trabalhava dia e noite em vários hospitais de Belo Horizonte.
Descobri que, na vida, para conseguir realizar um sonho maior, precisa de três coisas: primeiro, trabalho; segundo, trabalho; e terceiro, trabalho.
Eu fiz isso pra valer.
Dormi uma média de quatro horas por noite durante mais de 30 anos.
O primeiro parto foi em 1953, por aí. Era menino. A mãe era uma pessoa muito humilde e resolveu colocar o meu nome no filho.
O hospital municipal atendia pessoas muito pobres. Eu atendia tão bem lá que depois as principais indicações que me mandavam no consultório particular vinham daquelas mulheres simples.
Vinham as patroas.
Há famílias em que eu fui médico de quatro gerações. E, desde então, fiz mais de 20 mil partos.
Fiquei 12 anos sem tirar férias. Era plantão o tempo todo. Minha mulher, Norma, também é médica e entendia.
Fizemos faculdade juntos e tivemos quatro filhos. Só o Renato não é médico.
Eles sempre viram uma dedicação tão grande da minha parte e da Norma que é por isso que são ginecologistas.
Mas nunca deixei a família de lado.
SONHO COM PÉ NO CHÃO
Minha vida era uma loucura, mas todo dia na hora do almoço nós estávamos juntos. Mesmo trabalhando muito, sempre estive perto deles.
Procuro sonhar com a cabeça lá em cima, mas com os pés na terra, vendo o que é possível e viável.
Temos a maior clínica ginecológica de Belo Horizonte, mas, com honorário médico, jamais conseguiria fazer o Mater Dei. Imaginei que tinha de ter outra atividade lucrativa. E foi a construção civil que possibilitou que o Mater Dei existisse.
Inauguramos o hospital em 1980. Começou pequeno, com oito andares e 150 leitos. Em junho deste ano, inauguramos o novo hospital.
Belo Horizonte tem um deficit de leitos, então decidimos ampliar. Nosso pronto-socorro novo é cinco vezes maior que o primeiro.
Os filhos foram muito bem preparados. Hoje, posso morrer que o hospital vai continuar muito bem com eles.
LITERATURA
Estou pronto para morrer, mas não para ficar cego. Ler é uma das coisas de que eu mais gosto. Nunca tomei um comprimido para dormir.
Se eu perco o sono, eu levanto, leio um pouco e aí durmo muito melhor. Gosto de boa literatura e de biografias, que trazem uma história de que se possa tirar proveito.
O Mater Dei cresceu, evoluiu e algumas vezes apareceu gente querendo comprar. Sabe qual foi minha resposta? Vocês não têm dinheiro para pagar. Eles riem na minha cara. Falam que eu estou dizendo bobagem, que eu não sei o quanto eles têm.
É que um sonho não tem preço. Não há dinheiro que pague. Teve muita renúncia. Acho que aquele menino que sonhava ser médico hoje falaria: valeu a pena.
É o que disse Fernando Pessoa: tudo vale a pena se a alma não é pequena. Se o sonho não é pequeno. (Leia a matéria no site da Folha)
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