No Código Penal atual não há responsabilidade penal da pessoa jurídica no B rasil, exceto em relação ao meio ambiente.
Fonte: STJ.gov.br
A
comissão que elabora o anteprojeto do novo Código Penal aprovou nesta
sexta-feira (08) proposta que cria a responsabilização penal da pessoa jurídica
por atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia
popular, bem como pelas condutas e atividades consideradas lesivas ao meio
ambiente e à administração pública. Atualmente, não há responsabilidade penal da
pessoa jurídica no Brasil, exceto em relação ao meio
ambiente.
A
mudança foi saudada como uma grande inovação pelo presidente da comissão. O
ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Gilson Dipp acredita que, com
isso, será preenchido um vácuo na legislação. “Quando se sabe que é uma
infração à norma penal, e não apenas administrativa, existe um peso, um estigma,
um caráter único e maior, diferente do civil. Isso repercutirá junto às empresas
e aos seus dirigentes pelas consequências que tem”,
comentou.
As
penas preveem multa, restrição de direitos, prestação de serviços à comunidade e
perda de bens e valores. Entre as penas restritivas de direito, estão previstas
a suspensão parcial ou total de atividades; a interdição temporária de
estabelecimento, obra ou atividade; a proibição de contratar com o poder público
e de obter subsídios, subvenções ou doações, bem como de contratar com
instituições financeiras oficiais.
Outra
inovação aprovada é a possibilidade de responsabilizar a pessoa jurídica
independentemente da responsabilização das pessoas físicas – o que a
jurisprudência atual não reconhece.
O
relator do anteprojeto, procurador-regional da República Luiz Carlos Gonçalves,
explicou que, pela proposta, uma empresa que comande a prática de atos de
corrupção receberá também sanções penais compatíveis com a sua natureza. “Há
esse sentimento de que muitas vezes a pessoa jurídica se vale de funcionários
como ‘laranjas’, que depois até são responsabilizados, mas a pessoa jurídica sai
ilesa”, comentou.
A
norma teve a seguinte redação: “As pessoas jurídicas de direito privado ou
empresas públicas que intervém no domínio econômico serão responsabilizadas
pelos atos praticados contra a administração púbica, a ordem econômica e
financeira, contra a economia popular, bem como pelas condutas e atividades
consideradas lesivas ao meio ambiente, nos casos em que a infração seja cometida
por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado,
no interesse ou benefício da sua entidade.”
Milícia
Outra
grande inovação foi a aprovação de um tipo penal que caracteriza as milícias
como modalidade de organização criminosa. O ministro Dipp recordou a reunião que
a comissão de juristas teve com secretários de segurança pública, em fevereiro,
em que eles reivindicaram de forma unânime a tipificação da prática de milícias.
“É um avanço, porque são condutas que não existiam antes e que apenas nos
dias de hoje vemos a necessidade de que sejam configuradas no Código Penal”,
afirmou.
Foi
tipificada a conduta de “exercer, mediante violência ou grave ameaça, domínio
ilegítimo sobre espaço territorial determinado, especialmente sobre os atos da
comunidade ou moradores, mediante a exigência de entrega de bem móvel ou imóvel
a qualquer titulo ou valor monetário periódico.”
O
tipo vale para os casos em que policiais exigem vantagens pela “prestação de
serviço de segurança privada, transporte alternativo, fornecimento de água,
energia elétrica, sinal de televisão, internet, venda de gás liquefeito de
petróleo, ou qualquer outro serviço ou atividade não instituída ou autorizada
pelo poder público”.
A
pena será de quatro a 12 anos de prisão – maior que a pena prevista para
organização criminosa, de três a dez anos. O procurador Gonçalves disse que
“a milícia se caracteriza pelo domínio territorial ilegítimo de um lugar. Ela
domina aquele lugar, como se fosse o poder público, e acaba constrangendo as
pessoas mediante violência”, explicou.
Crime
continuado
A
comissão aprovou mudança no artigo
71 do CP, que trata do crime continuado. Pela regra atual, quando a
pessoa pratica vários crimes da mesma espécie, no mesmo local, com as mesmas
condições, a pena do mais grave é triplicada, o que por vezes era benéfico, como
nos casos de chacina. Pela sugestão dos juristas, essa fórmula não se aplicará
aos casos de crimes dolosos que causem morte ou aos crimes de estupro contra
vítimas diferentes. Nesses casos, as penas serão somadas.
Tempo
máximo
O
limite máximo de cumprimento de pena ficou mantido em 30 anos. Nesse ponto houve
grande debate e os juristas levaram em conta argumentos como o aumento da
expectativa de vida da população brasileira desde 1940, ano do Código Pena
atual, e a falta de estrutura carcerária brasileira.
No
entanto, a comissão aprovou alteração para o caso de o preso, já no cumprimento
da pena, cometer novo crime. Nesse caso, a unificação de pena seguirá a seguinte
norma: “Sobrevindo condenação por fato posterior ao início do cumprimento da
pena, ao restante da pena ainda por executar somar-se-á pena imposta pelo novo
crime, limitada a unificação em 40 anos.”
O
procurador Gonçalves contou que o crime organizado utiliza-se do mecanismo atual
para cooptar presos que já estão cumprindo a pena máxima (30 anos). “Como
está hoje, se o preso praticasse um novo crime no primeiro dia de cumprimento de
pena, apenas um dia seria acrescido na pena desses detentos. Isso faz com que o
crime organizado alicie esses presos até mesmo para assumir autorias de
crimes”, revelou o relator do anteprojeto. Com a mudança, a nova pena será
somada à anterior, respeitado o limite de 40 anos para
cumprimento.
Livramento
condicional
Ainda
na parte de cumprimento de pena, a comissão aprovou a revogação do livramento
condicional, porque entendeu que estava concorrendo com a progressão de regime.
Porém, incluiu na proposta do novo Código Penal uma determinação de que, se por
culpa do poder público, não se assegurar ao apenado o direito a cumprir pena no
regime semiaberto, ele progredirá diretamente ao regime
aberto.
“O
poder público tem que construir os estabelecimentos adequados ao cumprimento da
pena. E se não age nesse sentido, e o preso tiver direito, irá para o regime
menos gravoso”, explicou o procurador Gonçalves.
Indígena
Os
juristas decidiram também aplicar aos indígenas as disposições do erro sobre a
ilicitude do fato. A regra será válida quando o índio pratica o ato de acordo
com as crenças, tradições ou costumes de seu povo. Nesses casos, o cumprimento
da pena, quando possível, se dará em semiliberdade ou regime mais favorável, no
local de funcionamento da Funai mais próximo à aldeia.
A
comissão aprovou também a obrigatoriedade do laudo antropológico para auxiliar o
juiz no julgamento. Na medida em que for compatível com a proteção dos direitos
humanos, o indígena deverá ser penalizado segundo as tradições de sua
cultura.
Relações
de consumo
Um
novo título foi criado na proposta do Código Penal para abrigar 17 artigos sobre
crimes contra as relações de consumo. Os juristas compilaram sete leis que
trazem, atualmente, condutas lesivas aos consumidores, especialmente à saúde.
Entre os tipos está, por exemplo, o emprego na reparação de produto de peça ou
componente usado, sem autorização do consumidor, tornando o produto nocivo ou
perigoso. A pena será de seis meses a dois anos de prisão.
Favorecer
ou preferir, sem justa causa, algum comprador também renderá pena idêntica – no
máximo dois anos de prisão. O procurador Gonçalves explicou que a pena não
deverá ultrapassar esse teto, nos crimes contra as relações de consumo, para que
as ações possam ser decididas nos Juizados Especiais
Criminais.
Próximas
reuniões
A
comissão, formada por 15 juristas, volta a se reunir no Senado no dia 21 de
maio, às 10h. Também estão previstos encontros nos dia 25 e 28 deste mês. O
texto do anteprojeto do novo Código Penal será entregue à presidência do Senado
no final do mês de junho.