quinta-feira, 20 de maio de 2010

LENA HORNE, QUEM SE LEMBRA DELA?

Por Fábio Doyle (*)

LENA Mary Calhoun Horne morreu domingo, dia 9, em Nova York, aos 92 anos. Ela nasceu em 30 de junho de 1917. Os que se lembram dela poderão estranhar o nome. Como cantora, como artista, como sex symbol morena do cinema norte-americano, ela adotou, e fez seu nome ficar famoso, como Lena Horne. Mereceu um registro em jornais de TV, uma boa matéria em O Estado de S. Paulo, e notas curtas em outros mais. E parece que foi só.
LENA Horne merecia mais. Acontece que seus admiradores, das décadas de 40 e 50, já morreram ou perderam a memória. Quase todos. A nova geração não se interessa muito por coisas tão antigas. Uma pena.
LENA não foi apenas cantora. Tinha voz suave nas canções românticas, e firme e com grande alcance nos temas do jazz sincopado, no vocal jazz e nos rítmos que marcaram a música negra nos Estados Unidos. Enfrentou preconceitos raciais, sempre de cabeça erguida. Foi prejudicada pelo racismo que era muito violento nos anos em que surgiu no mundo da música e do cinema. Mas conseguiu impor seu talento e sua personalidade, na música, no palco, no cinema, sem jamais ceder aos que tentavam, e foram tantos, e tão insistentes, calar sua voz.

LENA era negra mestiça, de pele clara, tão clara que foi proibida de beijar atores negros nos filmes que fez, pois poderiam pensar que se tratava de uma branca beijando um negro. Para superar o problema, a Metro Goldwin Mayer pediu à Max Factor que criasse uma maquiagem que escurecesse sua pele. Os pesquisadores da empresa famosa na criação de produtos de beleza conseguiram encontrar a fórmula exata, surgindo, então, o crème "Egyptian 5", que passou a ser usado no cinema, escurecendo artistas brancas, e no teatro. Louis B. Mayer, o dono da Metro, percebendo o talento de Lena, levou-a para fazer parte do seu elenco de artistas consagrados, assinando com ela um contrato válido por sete anos. Ela foi a primeira artista negra a ser contratada. Mas foi impedida de trabalhar em vários filmes, um deles com Clark Gable. Seu contrato, apesar disso, foi mantido por Mayer pelos sete anos.

FORAM muitos os episódios que se tornaram famosos envolvendo Lena Horne. Um deles, quando ela se ofereceu para cantar para os soldados norte-americanos que lutavam na Segunda Guerra. Lena chegou ao auditório improvisado na caserna e percebeu que os soldados brancos ocupavam todas as primeiras fileiras, ficando os soldados negros lá no fundo. Ela não se conteve: com o microfone na mão, atravessou o auditório e foi cantar primeiro para os de sua raça, lá atrás, voltando depois para cantar para os brancos. Resultado, foi mandada de volta para casa. Felizmente viveu o bastante para ver Barack Obama, negro mestiço como ela, chegar à presidência de seu país.

FOI sempre uma lider respeitada. Pertencia a uma família burguesa de bom nível, o pai um homem culto, os avós envolvidos em campanhas política no Brooklyn, onde nasceu Ao casar-se, aos 32 anos, com um músico branco, foi criticada e recebeu ameaças até de morte. Fundou uma sociedade beneficente que ajudava músicos e atores idosos, independente de cor e raça, que estivessem enfrentado problemas financeiros e de saúde. Foi perseguida por ser amiga do grande cantor Paul Robeson, por razões políticas, o que a impediu de trabalhar na televisão de 1952 a 1959, quando Frank Sinatra, solidário sempre, em gesto nobre, a levou para seu programa.

LENA Horne era a morena mais bonita do cinema e do show biz norte-americano. Enfrentou duras perdas, como a de seu pai, seu filho, de 29 anos, e de seu melhor amigo Billy Strayhorn. Envelheceu com dignidade. Recolheu-se ao seu mundo, seu pequeno mundo: "Eu comecei a mudar quando todo mundo passou a me deixar, quando eu me dei conta que o pior que me poderia acontecer é que eu estava sobrevivendo", desabafou para um dos raros amigos que a visitava. Inteligente, além de muito bonita e de dona de uma voz privilegiada, recebeu da Universidade de Yale o título de doutora honoris causa. Em 1981 recebeu o troféu Tony pelo show "The Lady and Her Music", que apresentou na Broadway. Em 1997, ao completar 80 anos, foi homenageada no Lincoln Center, com a presença dos grandes nomes da música. Fez muitos filmes, um dos primeiros foi "Cabin in the Sky", dirigido por Vincente Minelli, em 1942, quando tinha 25 anos. Em 1956 fez outro filme famoso, "Till the Clouds Roll By".

PRESTO a ela a minha homenagem, a homenagem do menino da rua Aimorés, 1892, no bairro de Lourdes, que a admirava através dos programas musicais em ondas curtas da rádio WRCA (a televisão era ainda um projeto distante) e dos filmes que eram exibidos nos cinemas Metrópole e Glória. Uma admiração que se tornou maior ainda quando Lena Horne gravou, com sensibilidade e voz perfeita, "Stormy Wheather", a canção que não apenas a consagrou, mas que marcou aqueles anos inesquecíveis.

PARA finalizar, devo mencionar um episódio curioso. Estava, no dia 9, o Dia das Mães, na fazenda de Pedro Henrique Nehring César, meu genro. Marília, minha filha, escolheu alguns CDs para musicar o almoço. Entre eles, alguns blues, o ritmo melancólico do sul dos Estados Unidos. Perguntei a ela se não teria um CD de Lena Horne. Não tinha. Naquele dia, lá em Nova York, talvez naquele momento em que eu me lembrava dela, a linda e brava guerreira despedia-se do mundo. (Fotos do site www.starpulse.com)

(*) Jornalista, membro da Academina Mineira de Letras

Blog: fabiopdoyle.zip.net

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